segunda-feira, 13 de maio de 2013






Enquanto tomava um café, naquela tarde amena de domingo, pensava nela. E então, tudo a sua volta se modificava: sumiam as pessoas nas mesas ao redor, sumiam os transeuntes do lado de fora da janela - a mesa da janela sempre. Observar é um vício, e como todo vício quer ser alimentado. Precisa ser alimentado, nutrido, acariciado. - some o próprio café, com seus garçons, some o piano ao fundo. 


Resta apenas ele, em sua própria companhia, comendo vagarosamente e sonhando com estrelas. O cheiro dela ainda está nele: cheiro do desejo que não o deixa em paz. Pensa nela - nas pernas dela, no beijo dela, no olho dela - e seu corpo grita: arrepios nas costas, calor no rosto,  sensações palpáveis a chamam, silenciosa e ardentemente. Nem o café gelado que toma abranda os ânimos.

O pianista toca uma canção dos Beatles. Será mesmo dos Beatles? Memória não é lá o seu forte - e ele viaja entre  guardanapos e pensamentos. Ela, claro. Ultimamente têm pesando muito nela. No toque, na pele, e naquela forma particular como ás vezes um simples olhar bastaria. Em como eles se bastam. E se completam. E se transbordam. E em como esse excesso que produzem muda  o dia, o tempo, a vida. Mudou a minha vida, sussurra ele.
Por instantes retorna ao café: as pessoas, as vozes, o piano.Numa mesa ao seu lado duas garotas cochicham: quê será que esse moço, que olha alguma coisa que perece estar a quilômetros daqui, tanto rabisca em um domingo de sol onde todos passeiam? O que ele escreveu nesses pequenos guardanapos que o fez sorrir assim? Nem ele mesmo saberia como responder. 

Pede a conta, abre um sorriso e se lembra de um refrão, ironicamente. Definitivamente, um Beatle. E com ele as respostas.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Blue



da série Aquarelas
***



         Hoje nem vi a cor do dia. Não sei se houve sol, ou choveu, ou se foi um dia típico de outono – nublado de prata. Para mim, Bela Adormecida de um domingo de abril, teve foi cor de olho fechado, de luz apagada, de sonho se sonhando. 

        Mas a noite eu vi: tem cor de ausência. Cor de lugar vazio na cama, um tom meio preto-cadê-você. Tem uma matiz de desejo incontido, meio perdida nessas nuvens revoltas que o vento vem trazendo pra cá, pra minha janela, que está aberta a essas horas nem sei porque. Pra te ver chegar, talvez. Mesmo sabendo que não virás, e que as cores da tua noite são outras... São cores de gente falando, copos caindo e – quiçá – corpos também. 
         O meu corpo, em contrapartida, cai no vácuo que deixaste aqui ao lado quando apressadamente te levantaste da cama, ontem. Sim, ontem. Desde ontem meu corpo gira como bailarina dessas caixinhas nacaradas que sempre – sempre! – tocam Pour Elise. Gira procurando um lugar pra se encaixar, um abraço. Teu braço, no meio da cama, ocupando meu espaço e meu pensamento, agora. E ate agora, nada do teu calor, do teu olho – bonito – me olhando de perto, e me vendo assim nua, com a cara limpa e o coração gotejando tua falta em minúsculos pingos desse vinho tinto, que mancha as cobertas e turva as manchas em desenhos de lembranças de toda uma vida. 
Se eu tivesse um cigarro, acenderia –o e faria figuras em sua fumaça. Isso distrai como poucas coisas na vida. Como não tenho, observo aquelas mesmas nuvens – girando elas também como bailarinas – que correm que se te procurassem também. Que noite cheia de cores, para alguém que teve um dia apenas com a cor dos seus sonhos! Uma menina bonita – bonita! – canta coisas também bonitas para mim, apenas. Me embala, me nina e me diz que o blues consola. Engraçado. Se o blues consola, porque esta camiseta azul – tua – que vesti para que ao menos teu cheiro viesse me habitar, não te materializou aqui? Ah, grande bobagem! Todo mundo sabe que não é apenas de azuis que são feitos os arco-íris. 


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Samba em Si


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Hoje foi um dia bastante esquisito. Esperei o telefone tocar o dia todo, e ele não tocou. E acho que não vai tocar. Nenhum sinal de vida. Nem respostas, nada. E a cabeça lá... e o corpo aqui, na segunda feira da vida. E tudo mais aquilo que a acompanha: o trabalho, a razão, as desilusões. Mas o telefone, nada.  
Fico tentando fugir. Escapar de qualquer jeito, por que não sei lidar com tudo isso. Pensei que chegar em casa exausta me faria dormir, mas me enganei. Foi entrar aqui, e te saber não.  Foi triste. É triste, isso que é. E eu achei que se ficasse imóvel, me alienando com um desenho animado e alguma coisa para mastigar fossem me vencer no cansaço. Mas não também, pelo jeito.  Hoje alguma coisa de muito siso e pouco riso mantém a criança quieta, e martela a cabeça e o peito por dentro, bem forte, toc toc toc batendo. Escrevi essas coisas desordenadas por que queria muito escrever pra ver se pára. Se pára de bater, se pára de pensar, se pára  esse não você aqui.  
Não ajudou grande coisa, mas deixe estar. Quem sabe em meio a esses pensamentos eu encontre uma grande máxima, ou então componha um sambinha que se acerte com o batuque aqui de dentro.





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domingo, 29 de julho de 2012



Afinal, é madrugada. É a madrugada fria, fria toda, da qual me escondo aqui nessa poltrona em meio ao escuro da casa. Tinha ficado a tua espera, inútil espera, e precisei escrever pra não morrer, sabe? Não aquele morrer de tragédia, com cicuta e olhares fatais, mas de engasgo. Minha cabeça mastigou de um lado ao outro, de um lado ao outro, mas nem ela nem ninguém aqui nesse corpo conseguiu foi engolir. Aí a insônia veio, quis conversar sobre isso e acabei me engasgando. 
Não sei nem ao menos do que é feito esse cuspe. Frustração uns 70%, na boa. Mas, e o resto? Água, ou o amor que nela se diluiu? Raiva da tua ausência aqui-agora, eu acho. Falei pra relaxar, que tava tudo bem. Mas não achei que lavaria a sério, que deixaria a madrugada fria aqui comigo, como a um bebê choroso e insone. Por isso dormi em meio a cólica e o choro, numa tentativa desesperada de ler Virgínia Wolf com os olhos quase fechados de dor e mar, bem assim, indo e voltando aquela pocinha no canto direito, sem fim. Sem trégua. Afinal, é madrugada, como eu já disse. E a noite essa ideia do não-você-aqui parece dez vezes mais aterrorizante do que a luz do dia, da força e da farsa. No escuro, parece que os medos ficam mais a vontade, e podem transitar pelo corpo e pelo quarto de cuecas, sem se preocupar em interrupções de sanidade, próprias ou alheias.
Afinal, é madrugada e a rua está quieta. A cada ronco de carro meus medos pulam orelha adentro e eu corro espiar a rua, ver se te caço na sombra dos postes ou se um barulho de chave me acalma por dentro. Nunca nada. Só o escuro, a vigilância incessante e os cães na outra quadra. E o escuro aqui dentro, o gato no colo e o coração na mão. Será que não durmo nunca mais? Afinal, é madrugada. Não vou me embriagar e te ligar chorando. Nem te deixar bilhetes enfurecidos como uma mãe preocupada. Vou ver um filme de amor, te odiar e te chamar noite a dentro, entre soluços e pipocas. Bem baixinho, afinal, é madrugada e corações tranquilos dormem.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

***



Eu pintei os olhos de verde logo cedo.
Tentei de algum jeito colorir o dia
- azul lá fora, é verdade –
Que aqui dentro teimou em estar cinza.

Não adiantou. 
O verde ficou lá no espelho, grudado como folha pendida, esperando outros olhos.

Uma pena.

Vai ver que meu olhar outoneceu.



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Animada





Eu pensava, enquanto lia as notícias frustrantes do jornal, que nada me apavora mais do que quando alguém diz “estou desanimado". 
Se penso na etimologia da palavra – a ausência, a negação da ânima - me divido entre a pena e o pânico. Que tipo de ser é que se posta frente a mim? Que espécie de corpo vagueia por aí, desabitado de alma? Carcaça oca, o que faz pelo mundo? Se andando sem rumo não sei, mas sem alma? Penso que sem dinheiro, a gente se vira. Sem fé, a gente se agarra ao que der. Agora sem alma, amigo? Concha vazia, balão murcho, caixa de fósforo cheia de palitos já queimados. Me diz: serve pra quê? Vai pra onde? Fazer o que sem alma?
Fico sempre com medo: e se esse infeliz, vazio de estofo, cheio de lamento e cinza, resolve me dar um abraço e leva minha alma – pequena, menina, quieta no seu canto – embora com ele? Ele leva meu ânimo, eu fico des. Desamparada, desesperada, descrente. Por isso cruzo os braços, agarro a alma adolescendo e sorrio pra ver se os meus dentes a mostra espantam a falta de vida parada ali do outro lado.
Engraçado... do outro lado de que? Que alma maluca, perdida, sem teto há de habitar um corpo abandonado pela sua alma original? Deve ser um corpo cheio de goteiras na cuca, cupins pelo peito ou mesmo ratazanas – daquelas com rabos grossos e olhos vermelhos brilhantes assustadores como as dos desenhos – escapando pela boca, narinas, olhos. Casa velha pra uma alma nova, fresca, pulsante. Talvez uma alma mendiga, que vague em busca que um prato qualquer de atenção, ainda possa fazer um bom proveito. Quem poderá saber?
Eu continuo parada entre a pena e o pânico, agarrada com unhas e mente na minha alma tão jovem, torcendo pra que também ela não resolva fugir de casa.




domingo, 28 de agosto de 2011

Duyung


  ou Peixe mulher      




       Eu te amo, dá pra entender? Sei que é difícil se acostumar com meu jeito, bagunçado por dentro e por fora. Sei também que é difícil agüentar essa minha forma crustácea de lidar com a vida, saindo estrategicamente quando fico de saco cheio, ou simplesmente me recolhendo e recusando qualquer contato. Mas eu te amo.
        Eu te amo. Te amo e me sinto presa, te amo e me sinto livre, te amo e te sinto, te amo e já não me sinto mais. Teu amor roubou meu espaço vazio, encheu de outras tantas coisas não minhas, e outras tantas coisas só minhas. Tantas coisas. Encheu. Preencheu.  Transbordei . Só que acontece que agora ta fazendo falta o espaço, aquele, que ficou tanto tempo vazio. Era quase como um casulo, onde eu podia me refugiar e me transformar em paz, em qualquer coisa que quisesse. Que soubesse ser. Ou que quisesse aprender a ser.
       Mas agora sou tua. Já não sou mais exclusivamente minha, já não me namoro mais em completo silêncio, pois te ouço aqui dentro todo o tempo. Não me entenda mal, gosto tanto da tua voz ecoando por aqui... É que eu preciso do silêncio, compreende? Preciso do espaço, preciso da falta, preciso do não: não ter, não ver, não falar e não sentir. Direito ao não querer. E, mais uma vez, não me entenda mal. Te quero muito, te quero tanto, te quero perto. Apenas não te quero sombra. Te quero luz, como o abajur velho que voltou a funcionar naquele dia.
     Sei que somos diferentes. Aceito. Gosto disso, a bem da verdade. Gosto de ser mais fluída, e te sentir mais fogo. Somos assim, naturezas opostas insistindo na convivência dentro de uma redoma criada pelos nossos sentimentos. Tudo bem, redoma soa forte, soa claustrofóbico. Concordo. Vou explicar melhor: to me sentindo como um peixe beta, esses de aquário, sabe? Posso ver o universo todo ao meu redor, mas fico nadando em círculos, porque necessito daquela água. De novo, não se equivoque quanto aos meus sentimentos: eu preciso da água. Eu quero ver tudo, ser tudo e ter tudo, mas quero a segurança do meu aquário, sabe como? Então: você é minha água. É de você que vem o meu oxigênio. É que eu só queria tomar um pouco de ar.Eu te preciso, nunca me passaria pela cabeça negar. Mas eu to precisando tanto de mim por esses dias...
    Tudo que eu queria era que entendesse, vez por todas, que amor se demonstra de milhares de formas: desde a cebola cortada em pequenos cubos a outdoors em via pública. Não sei demonstrar amor do teu jeito, mas sei amar. Do meu jeito do avesso, com os lençóis bagunçados e o cinzeiro cheio, e a cara de quem virou a noite no bar. Do meu jeito quieto, que pensa enquanto assiste o mesmo seriado pela qüinquagésima vez, e que grita quando sente frio.  Meu amor grita também, mas não é com os ouvidos que se pode perceber. Está no ar, no meu cheiro quando acordo, no último olhar que te dou antes de dormir. Está junto com os nossos cabelos no ralo, nas escovas de dente que se encaram na pia. Naquele sache de creme dental que dividimos por falta de dinheiro. Está em mim, aqui, nesse corpo cansado e nessa cabeça incansável. Está naquela palavra feia, guardada num canto da boca, que eu não digo pra não ferir porque sei a dor de ser machucado. Está aqui, neste texto que me veio sem propósito e talvez nem leias. Tudo bem, meu amor,um dia eu compro um aquário bem bonito pra gente. Ou escrevo um livro e te coloco na capa.




sábado, 27 de agosto de 2011

Insânia

Para o seu governo, é ela quem me governa.




Bem dentro da minha cabeça mora uma moça 
Pelo vidro dos meus olhos, ela espia e se inquieta
Corre, blasfema e grita no céu da boca que já não mais sorri
Inútil tentar abafar seus clamores:
Ela  é um pequeno demônio louco
Escapa pelos sete buracos da minha cabeça pendida
E ri como se o sorriso não custasse nada.









quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Deslavada



da série Aquarelas

***




Desculpa,
tenho andado meio desbotada.
Coisa da chuva
do tempo
da vida.


Ainda sim, 
queria me tatuar no teu corpo.


sábado, 30 de julho de 2011

Feminino Abstrato

       



        Eu abro os olhos na cama e ela ali, do lado. Viro lentamente, de olhos abertos, e não posso conceber como ela passou por mim e se deita languida do outro lado, tragando um cigarro que cheira a incenso.  Eu deito na cama numa posição quase fetal, como se o ângulo dos meus joelhos pudesse afastá-la, mantendo tudo aquilo do lado de lá, fora das cobertas, fora de visão, fora.
        Mas não adianta, afinal, nunca adianta. Me responde: você já dividiu a cama com alguém que não queria? Alguém que não fazia sentido algum, mas estava inexoravelmente ali, sem que se pudesse negar o fato? Aquele cheiro, que você finge que não sente, mas ocupa travesseiro, cama, quarto, casa – e você segue se perguntando que diabos está fazendo da vida, assim: ‘O que diabos estou eu fazendo da vida?’
        Sabe o que quero dizer, não é? Pois é. O diabo é que ela dorme nessa cama desde o dia em que a deixei se deitar pra descansar um pouco. E não importa se desejo dividi-la com outra pessoa: ela topa. Diz que gosta de mim, que aceita dividir a cama. Que o lance entre a gente é muito mais profundo, que a ligação é – a esta altura dos fatos – impossível de ser desfeita. E enquanto calmamente explica isso, a malvada sorri. Aquele sorriso que brota na cara das pessoas quando elas sabem que tem razão, e que já não há o que argumentar. E eu acabo, como sempre, aceitando a condição de estar ao lado dela. Naquele regime dos padres, ‘pra todo o sempre até que a morte os separe’, ou coisa que o valha.
        Ela tem todo aquele charme, aquele mesmo, das mulheres fatais. Primeiro se senta do outro lado do bar, te olha de esguelha enquanto você escolhe um drinque, sentado sozinho esperando ninguém. E caso você se atreva a olhar em sua direção, rapidamente baixa os olhos e brinca com o copo entre os dedos, mesmo que nem goste de gim. Aí vem aquela caça pelos olhares perdidos entre as pessoas que transitam. Algumas noites depois, vocês já estão tomando um vinho e acabam virando a noite a esmo pelas ruas. Então, ela se torna sua. E você se torna dela. Não há mais limite entre os dois: você a detesta, mas precisa daquele sentimento. Você a adora. É sua musa. Para ela sonetos, para ela odisséias intermináveis de corações arruinados e poetas sofrendo em odes.
        Entende onde quero chegar? Eu não. Continuo olhando pra ela, que agora passou a fumar cada dia mais. Enrolada com Angústia entre as cobertas, escuto histórias tristes e choro até dormir. Ela me pertence menos que eu a ela, tornando-se o sujeito do meu ser. A despeito do que digam, o substantivo feminino abstrato nessa sentença sou eu.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Substantivo feminino

.






Não fui feita de sutilezas.


Por isso,
amor,
me deixa exagerar no teu corpo.





quinta-feira, 7 de julho de 2011

Haikai Bordado








a alma sonha
deitada entre 
corpo e  fronha






quinta-feira, 23 de junho de 2011

Melancholia






Minha qualidade de ser triste
não vem do Tempo,
não vem do clima,
não vem de ti.
Nem nunca virá.

É um vício
um estado de ser
de estar
Entrar dentro de mim
trancar à chave
apagar a luz
e me namorar em completo silêncio.






quinta-feira, 16 de junho de 2011

.







Horas brilho
Horas escuridão

Nasci meio mulher
Meio vagalume






.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ocasional,






Foto: Mônia R.





Ocasional,

o fim da tarde
finda cedo.










Foto do quintal de casa, às 17:49 horas. Curitiba escurece antes que os próprios grilos percebam.

Vocálicas

*






gritei
em ditongos crescentes
pela madrugada inteira
o teu nome

insone
o músculo pulsava 
- ecoando no saguão do peito - 
espião de todos meus erros

cruel  desencontro  
entre(o)sono
meu poema é hiato:
voo.






*

terça-feira, 10 de maio de 2011

Como fossem meus dentes





Como fossem meus dentes
caindo um a um
vão pouco a pouco desaparecendo certas lembranças.


Minha carne sangra esquecimento.



sexta-feira, 6 de maio de 2011

Dourado



da série Aquarelas

***



        Sentada em meio aos lençóis anoitecendo em laranja neste quarto eu penso em ti. Em quanto te desejo, em quanto preciso da tua presença aqui. Dramaticamente, pateticamente, desesperadamente: pulsando em mim como um dedo que lateja, sim, doendo se preciso . Incomodando se preciso. Irremediavelmente se fazendo sentir.
     Na cabeceira da cama, os travesseiros parecem estar alvorecendo, e não se  despedindo   do dia, como eu. Parecem estar esperando apenas tua chegada para desabrochar as flores estampadas pelo leito, jogadas pelo quarto, despetaladas na minha lembrança. Flores mortas. Flores sem perfume, flores cheirando a papel velho e agonia. Tu me faltas, e então o outono chega: nas janelas, na árvore aqui em frente - que ainda tem aquele nome gravado -, nos meus lençóis. O outono chega em mim, me ventando por dentro e  derrubando lágrimas sépia.
           Tua ausência morena  tinge meus dias de dourado.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Morpho



Ou Seda azul, para ti.



Veio caindo
caindo
a pétala azul
até repousar na minha mão.

E eu que sorria flor
agora choro borboleta.






segunda-feira, 2 de maio de 2011

Dama Branca






Passara a vida sentada no jardim
Angelicalmente tingida de flores alvas
Com um beijo
De pêssego maduro
Pendendo do lábio

Esperava seu consorte
Vestida de renda branca
Tiritando de frio

Nunca soubera
Se inverno ou primavera.




domingo, 1 de maio de 2011

Futuro do Pretérito Imperfeito I

        


           
        Ás vezes sinto falta do teu jeito: arrogante, presunçoso e cheio de charme. Do jeito como me olhava nos olhos, sob aquela luz bruxuleante do fim da tarde, e parecia me atravessar como uma lança das Cruzadas perpassando um infiel. Eu, com a  eterna heresia queimando a carne, me sentia acuada, desvendada, apaixonada. Perdidamente. Perdida numa cidade não minha, nos teus caminhos tão próprios e nesses beijos não meus. A cada passo por essas ruas sujas eu via uma paisagem nova, e te descobria outro: a inteligência que me batia na face, rebatendo cada frase capciosa que me escapava por entre os dentes. Em você, eu gostava das idéias. Da forma como a teoria te escorria sumarenta nas conversas, virando depois polpa amassada na prática da vida. Mas como eu não era tua vida, e nem ao menos sabia se desejava pertencer a ela, pouco me importavam tuas práticas. Tua teoria me encantava, e de ti eu fazia um pequenino livro a cada noite que nos encontrávamos, num daqueles bares sujos onde começávamos heróicas peregrinações em busca de qualquer diversão superficial e barata, que nunca terminavam antes do sol nascer ou da bebida nos derrubar num lençol de motel de quinta categoria. Motéis que – segundo você – custavam menos que aquela garrafa de vinho argentino que eu escolhi pra te levar pra cama.
        Ainda hoje às vezes te levo pra cama, em meio a sonhos encharcados daquele mesmo vinho com que nos declaramos descaradamente nossos pra sempre por aquela manhã. Abuso teu corpo, com minhas unhas grandes de sonho, com meus dentes afiados, te enlaço com meus cabelos. Te possuo à margem, despudorada e impura. E então acordo santa, cada dia menos tua.







sexta-feira, 29 de abril de 2011

Péantepé





Mais um passo
e tudo posso
nos teus espaços.

Mais um passo
e então perpassas
os meus esboços.

Mais um passo,
e seremos nossos.




terça-feira, 5 de abril de 2011




Açucena
desmadrugada
molhada
de orvalho:
sou eu
desejando
beija-flor
na ponta do galho...




segunda-feira, 4 de abril de 2011

Meio tom



da série Aquarelas

***


Eu passara o dia em branco. Ou seria em preto? Gris, sombra, carvão... Qualquer cor que escolhesse não seria precisa. Eu hoje tinha a cor – a indescritível cor – daqueles velhos livros de escola que emboloram guardados nos porões úmidos. Eu própria era uma espécie de porão, onde entulhara tudo que nunca me permitira sentir, até que apareceras me abrindo janelas, soprando tua brisa entre as páginas já há muito fechadas.
E agora eu te esperava. Com aquela sensação de ter um coração extra, batendo pendurado na boca do estômago, pois tu vinhas e eu te esperava. E rapidamente começara a me sentir feliz, diante da espera daqueles olhos.
Com as mãos úmidas e um sorriso pendente do canto da boca, eu arrumara a casa, estendera as cobertas na cama – desfeita o dia todo – e passara um café pra espantar a ansiedade que latejava junto aquele coração acoplado ao estômago.  Embaixo da água do chuveiro, deixara todas palavras duras que conhecia, e guardara entre as pálpebras os olhares mais doces que conseguira. Cheirando a sândalo, refestelada entre as almofadas eu esperei e esperei. A cada luz de um automóvel qualquer invadindo a vidraça, eu fechava a revista que já folheara tantas vezes que nos cantos das páginas jaziam impressões inertes de meus dedos. Impressões que deveriam estar em ti, pelo teu corpo que eu esperava sentada na cama, perfumada e colorida.
Então entendi que não virias. Lentamente apaguei as luzes, desliguei o som e fechei as marcas que dedos que pintara naquelas páginas cheias de imagens e cores que eu nunca vivera, e nem creio que um dia o faça. O colorido ficara adormecido junto a tua ausência. Mais uma noite meio cinza. Meios tons. 
Meia noite. E, pela metade, eu.

Letras Vermelhas




        Coloco as mãos no bolso e as lágrimas para fora. O vento é gelado e me queima o rosto por onde correm imagens distorcidas, misturando o que foi e o que temo que nunca será. A realidade se mescla aos meus devaneios em rostos que imagino ver refletidos nesses vidros ao meu lado. Os carros passam, o trânsito pára, as pessoas andam como formigas carregadeiras indo e vindo para lugar algum. Entre elas fico eu, parada, fumando um cigarro na contramão da vida. Onde vão dar todos esses caminhos que todos percorrem?! Eu queria mesmo era parar, parar...

        Faço um pedido ao meu cílio esquerdo que caiu. O que quero agora é tão absurdo que nem o cílio acredita e voa. E quem foi que me disse que pêlos caídos realizam desejos?!

        Acompanho alguns insetos com os olhos, quebro um graveto com as mãos e a noite cai. A garoa não é mais fria que eu, portanto não me incomoda. Resolvo tomar uma atitude. Ou uma cerveja, o que eu encontrar primeiro. Andei tanto sem me dar conta que não sei exatamente onde estou. Grande novidade. Há muito já não sei onde me encontrar. O frio está cada vez pior, e meus dedos da mão doem. Decido tomar um ônibus.

        Gente. Que coisa feia são as pessoas. Sempre com suas caras forçadas, cansadas ou de uma alegria tão besta quanto passageira. Misturo-me a eles. Mostro a língua para uma criança que não cansa de me olhar, ela acha graça e ficamos fazendo caretas, a despeito da mãe e, creio que, do restante do ônibus acharem aquilo um absurdo. Queria mesmo é que as línguas daquele ônibus todo caíssem. Pelo menos parariam de vomitar palavras em vão.

        Gostaria tanto de deitar e conseguir dormir. Mas meu travesseiro não deixa. Fica segredando coisas cruéis nos meus ouvidos e me obriga a gritar para abafar sua voz. E é simplesmente impossível dormir com gritos na garganta. Levanto meu corpo, arejo minha alma e hasteio meus pensamentos. Minha melhor companhia é a tinta. Escrevo como um autista que repete o mesmo movimento contínua e loucamente.

        Se pudesse escreveria na tua cara com letras vermelhas: é você a palavra que me falta.

domingo, 3 de abril de 2011

Lupina



Nos teus olhos
- escuros como a noite que vimos dormir pra que viesse o Sol -

me perco.

Não conheço teus caminhos,
e por isso ando em círculos como um animal ferido.

Quem dera tivesse o brilho capaz de ascender estrelas!





quinta-feira, 31 de março de 2011




Ouvindo o barulho lá fora
pensei que era tua chegada.

Quem dera!
Era só minha vontade em revoada.






quarta-feira, 30 de março de 2011




Nessa manhã
densa
acordo mansa

flor da apaixonada insônia

somente para esperar o ocaso
e murchar
em tons violáceos
- confirmadamente perecível -
com vagar nos teus braços.




Foto: Mônia R.




terça-feira, 15 de março de 2011

    

"(...)     

    Foi um dia daqueles. Daqueles em que eu gostaria de ser qualquer coisa inanimada, não pensante. Menos um ovo, que segundo Quintana pode ser inquietante. Mas tava valendo aquela concha, que vejo pendurada, ou esse cinzeiro sujo aqui. Isso me lembra que tenho que comprar cigarros, e quem sabe um vinho bom, pra sentar aqui e escrever. Jogar tudo pra fora e ir organizando aos poucos. Hoje tomei um café pensando na minha gaveta de meias, toda bagunçada, onde se misturam coisas inúteis a meias sem pares, na pacífica convivência que o caos promoveu.  Acho que estou vivendo em meio a ela sabe? Na desorganização calmamente aceita, na ausência de sentido nas combinações executadas. Fico sentada, em meio a fitas de cetim e antigos bilhetes guardados, procurando algo que faça sentido: um par de meias iguais. Ou bastante parecidas, ao ponto de não se notar a diferença sem mais análises. Qualquer coisa que faça sentido.
       Mas vai caindo à noite e vai ficando cada vez mais difícil. Cada vez que o sol cai, a gaveta vai ficando escura e eu canso de procurar a escolha mais acertada, e saio com uma meia de cada par, pisando insistentemente entre o certo e o errado."

quinta-feira, 10 de março de 2011

Veja essa canção




Que lindo pôr do sol aquele
em que o laranja beijava o mar
e o mar lambia a areia
e areia acariciava teus pés,
que iam andando, andando ao meu lado
sem jamais me alcançar.

Mas isto tu não sabias
e me contava rindo dos idos anos que não vivera
enquanto os postes, tristes, olhavam com inveja a lua...

Foto: Mônia R.

Vermelho morte

        



        Fiquei sentado naquele banheiro minúsculo, mal cheiroso e abafado por horas. Não conseguia levantar. A incompreensão do que estava acontecendo me atordoava. Como sair daquele cubículo? Como levantar daquele canto, sujo, onde eu dividia meus pensamentos com a lixeira transbordante. Se fosse pensar bem, eu estava no melhor lugar do mundo pro estado em que me encontrava: na merda.
        Olhei para um papel de cigarros jogado no chão e senti vontade de fumar. Vasculhei os bolsos, e a única coisa que achei foi um rasgo do lado esquerdo. Pra ser sincero, nem me importei muito com o bolso. Meu lado esquerdo inteiro estava rasgado. Eu estava rasgado por inteiro, esperando apenas esvair em sangue até morrer. Deve ser morno morrer assim. Vendo a vida, vermelho morte, partindo aos poucos. O sangue jorrando no começo, carne arroxeada exposta e o líquido quente jorrando com velocidade e agonia. Depois, conforme a lentidão da hemorragia se aproxima apreciar a necrose da ferida, o cheiro metálico de sangue e um resquício daquele perfume barato e nojento impregnado na pele já sem cor, de veias murchas e não mais azuis. Eu já podia sentir o cheiro putrefato de carniça saindo daquele pequeno banheiro de bar: as pessoas tapando os narizes e reclamando do estado de limpeza das coisas hoje em dia. E eu morto, fedendo junto com os papéis da lixeira, com a camisa branca de botões ensopada de sangue e perfume, com um riso de escárnio, daqueles que nascem no canto da boca. Eu – morto e contente.
        Eu senti uma paz tão grande pensando nisso que até abracei a lixeira. Queria levá-la, como companhia, pra o lugar aonde bêbados inúteis e desprezíveis como eu vão depois que morrem. Não sei onde é, mas deve ter um cara chato se dizendo Deus e julgando cada copo já tomado em vida. E não deve haver nada além de sufocantes cubículos como esse, onde passaremos a eternidade sem cigarros e com perfumes vagabundos, esperando por uma dose que nunca vai chegar. Eu, pelo menos, levaria a merda toda como companhia. Eu começava a me afeiçoar àquela lixeira. Eu já gostava daqueles palitos de fósforo usados formando o desenho de alguma coisa que conheço, mas não sei identificar. Devo estar enlouquecendo. Pode ser também a falta de ar, pois não há janela alguma nesse banheiro. Há apenas eu, sentado abraçado com uma lixeira e a privada. Eu, a lixeira, a privada e o cheiro que já parece fazer parte de mim.
        Pensando no cheiro lembrei estar vivo. Eu já estava me acostumando à idéia da morte morna, da eternidade no banheiro namorando essa lixeira em algum lugar qualquer de qualquer universo – paralelo ou não. Mas estou vivo, e parece mesmo que alguém bate na porta. Não tenho certeza: um de meus ouvidos está colado à privada, e o outro anda meio ruim. Eu podia abrir a porta e descobrir, mas não posso levantar. Não posso abandonar todas essas idéias magicamente mórbidas aqui, nessa lixeira, e simplesmente seguir vivendo. E não lembro como a vida La fora é. Não faço idéia de quantas horas estou aqui dentro, e pra ser bem sincero, não sei nem ao menos de qual lugar este banheiro é.
        Batem à porta mesmo. Me apóio na maçaneta em busca de equilíbrio para levantar e a porta se abre. É a dona do bar, pedindo nada gentilmente que eu saia do banheiro pois o dia amanheceu.  Reúno minhas forças e minhas idéias e deixo o sangue vermelho morte espalhado pelo chão, junto àquele papel de cigarro e outros detritos. A morte morna, o confinamento eterno e a lixeira transbordante pela qual eu me apaixonara  ficam pra trás, embaladas pelo som da descarga. E eu, que agora seguro uma dose entre as mãos, fico aqui - sentado - mergulhado numa imaginária lixeira, cercado acalentadoramente por toda sujeira e o cheiro nauseante, me misturando a essa merda toda.