Enquanto tomava um café, naquela tarde amena de domingo, pensava nela. E então, tudo a sua volta se modificava: sumiam as pessoas nas mesas ao redor, sumiam os transeuntes do lado de fora da janela - a mesa da janela sempre. Observar é um vício, e como todo vício quer ser alimentado. Precisa ser alimentado, nutrido, acariciado. - some o próprio café, com seus garçons, some o piano ao fundo.
Resta apenas ele, em sua própria companhia, comendo vagarosamente e sonhando com estrelas. O cheiro dela ainda está nele: cheiro do desejo que não o deixa em paz. Pensa nela - nas pernas dela, no beijo dela, no olho dela - e seu corpo grita: arrepios nas costas, calor no rosto, sensações palpáveis a chamam, silenciosa e ardentemente. Nem o café gelado que toma abranda os ânimos.
O pianista toca uma canção dos Beatles. Será mesmo dos Beatles? Memória não é lá o seu forte - e ele viaja entre guardanapos e pensamentos. Ela, claro. Ultimamente têm pesando muito nela. No toque, na pele, e naquela forma particular como ás vezes um simples olhar bastaria. Em como eles se bastam. E se completam. E se transbordam. E em como esse excesso que produzem muda o dia, o tempo, a vida. Mudou a minha vida, sussurra ele.
Por instantes retorna ao café: as pessoas, as vozes, o piano.Numa mesa ao seu lado duas garotas cochicham: quê será que esse moço, que olha alguma coisa que perece estar a quilômetros daqui, tanto rabisca em um domingo de sol onde todos passeiam? O que ele escreveu nesses pequenos guardanapos que o fez sorrir assim? Nem ele mesmo saberia como responder.
Pede a conta, abre um sorriso e se lembra de um refrão, ironicamente. Definitivamente, um Beatle. E com ele as respostas.